sábado, 31 de agosto de 2013

Matéria no Jornal A Tribuna - Santos/SP


Um comentário:

Vozes Bugras disse...

As Vozes Bugras do Brasil

Julinho Bittencourt

O grupo Vozes Bugras é um ponto fora da curva no cenário da nossa música. É um caso à parte. É composto por sete valentes mulheres que se arvoraram a descobrir, desvendar e divulgar a canção mestiça brasileira. Um pouco mais do que isso, elas contam causos, mitos, ritos, lendas e tudo o mais que faz parte da tradição oral da gente que se miscigenou por essas bandas.

O resultado, depois de dez anos de existência do grupo, pode finalmente ser ouvido no lindo disco batizado única e tão somente “Vozes Bugras”. Segundo texto de Anabel Andrés, Vozes Bugras vem de um trocadilho com o Mistério das Vozes Búlgaras. “A denominação depreciativa, bugre, dada aos indígenas brasileiros pelos colonizadores, provém do termo francês bougre, referente aos ‘hereges búlgaros’, resistentes à ocupação de seu território em séculos passados, e estendeu-se a todo aquele que fosse considerado rude ou selvagem, em contraposição uma ideia exclusiva de civilização europeia”, conta.

Assim como Anabel, que é bailarina, coreógrafa e terapeuta corporal, as outras integrantes do grupo também têm funções múltiplas que vão muito além de tocar e cantar um instrumento. São pesquisadores, compositoras e apaixonadas pela diversa e intrincada cultura popular do Brasil. Anunciação é cantora, compositora e arte-educadora; Cássia Maria é percussionista e arte-educadora, além de compositora, com o lindo disco “De Cara pro Sol” gravado; Célia Gomes é contadora de histórias e atriz; Dani Lasalvia é cantora, compositora e artista plástica; Priscila Brigante é percussionista; Tânia Piffer é atriz, cantora e compositora é Ully Costa é cantora.

O resultado de tantos talentos e multiplicidades é um apanhado de rara beleza e encantamento, onde ouvimos desde canções de roda, lendas indígenas e do candomblé, incelenças, todas tradicionais de várias regiões e etnias brasileiras. Como elas mesmas dizem, semeiam tudo isto com atitude de orgulho, tendo como referência artistas como Inezita Barroso e Dércio Marques.

O disco é comovente, para dizer o mínimo. Encaram e vencem com facilidade o desafio de tornarem vozes lindas, educadas e excelente capacidade instrumental num resultado sonoro sem afetações. Causos e cantos transcorrem com tamanha honestidade e beleza que, ao mesmo tempo em que deixam claro de onde vêm, nos colocam dentro do universo para onde apontam.

É impossível ouvir coisas como a “Lenda da Mandioca”, “Suíte Cabocla”, “Mito de Oxum” seguido por “Mamãe Oxum/Canto de Oxun”, entre outras sem ser marcado pelo resto da vida pela beleza, alegria e espontaneidade de suas recriações. O disco “Vozes Bugras” vale por tudo. Pela emoção, realização e pela linda capa da cantora e artista gráfica Kátya Teixeira. Lindo.


Julinho Bittencourt
Jornal A Tribuna - Santos/SP
28 de agosto de 2013