sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Porque eu preciso muito falar dessas “moças da janela” - de Iara Assessú

Porque eu preciso muito falar dessas “moças da janela”, dessas caboclinhas, dessas “roxas”, dessas lavadeiras, dessas mulheres cantadeiras que transpiram musicalidade e ascendem alumiação dentro da gente. Que mulheres! Quantas mulheres em tão poucas! Como me representam! Há algum tempo vocês me vêm compartilhando a lindezura dessas vozes tão bugras, tão agrestes, tão potentes, tão grandes, tão pequenas, tão mágicas e tudo isso junto.

Vozes Bugras e indomáveis que nos transportam por um feminino antigo e carregado de resistência que transborda em cada sussurro, em cada notinha de cada cantiga por onde nos vemos transcender o tempo e espaço. Essas vozes, essas histórias...

Percebo como o canto popular é completamente embebido pela religiosidade, aquela religiosidade em sua forma mais tenra, aquela religiosidade que brota independente do que se determinam as instituições, no meio do oco do mundo dos quintais e seguem adentrando o interior das casas, das encruzilhadas, aquela religiosidade que rege os ritos de nascimento e de morte. Religiosidade tão comum, tão livre, tão bugra, tão preta e velha que não só agrega, como brinca, batuca e encanta.

E essas Vozes Bugras... Ah! Essas vozes, que se somam à voz da minha vó, que quarava roupa na pedra; da minha mãe quando cantava/contava daquela Bela Lili que descia a ladeira do Marçal com um balaio na cabeça; daquela mãe que eu vi há um tempo sentada no chão da rua amamentando seu filho e cantando cantiga de esmolar com aquela voz, também bugra: “e que Deus lhe abençoe pelo leite que já mamou”. 

Essas vozes que fazem a gente querer cantar junto, rezar junto, comer junto, beber junto no mesmo caneco, recitar junto com essa singeleza de quem canta no terreiro ou lá, escorada na janela, acompanhando a procissão ou o cortejo, que canta sentada na porta de casa olhando o nada e também os erês que correm soltos... A impressão que tenho é que eu estou ouvindo de lá... De lá daquela casa de porta e janela que ainda cisma em enfeitar as estradas no interior de nós mesmas.


Iara Assessú é cantora, compositora, advogada, ativista pela inclusão social das PCD (Pessoas Com Deficiência), mãe de João e Martim, casada com Geslaney Brito de quem também é parceira musical

https://www.facebook.com/iara.assessu 


Iara Assessú
I
foto: Doris Bonini